Somos assim: somos o que pensamos, o que sentimos...e somos acima de tudo, aquilo em que acreditamos!
Nossos ídolos são nossos espelhos...refletem nossa alma, e nos levam ao encontro de nossos desejos, nossos sonhos, nossas fantasias, nosso eu mais profundo...e nos tornam muitas vezes mais fortes, porque acreditamos neles!
Somos assim: sedentos por nos apaixonar, por acreditar, por nos sentir vivos...e é isso que nos torna seres tão incrivelmente sedutores e apaixonantes!

domingo, 23 de setembro de 2007

Teu corpo, meu porto



Ah, que azul encantado, nesse horizonte encarnado!
Ah, que profundo dourado a luzir n'alma minha!
Ah, que alegre bordado , no meu sol enredado!
Que visão é essa, que meu coração alcança?
que sensação é essa a que meu corpo se lança?
que poder é esse, que em mim se aninha,
fazendo de mim pobre andorinha,
perdida , medrada e deslumbrada, sem rumo , sem tino, sem nada?

Ah, valei-me meu pai do céu, estou a arfar feito bicho,
cansado, escaldado, esfolado, catando restos no lixo,
estou a sofrer e arder, febril e sem nada entender,
estou a virar os olhos, fremindo, espasmando,
perdida entre restos de gestos, arrepios indigestos.
Desconheço meus contextos, desfaleço meus sentidos,
divago, desfaço o bordado, destilo o amargo,
me perco, me encontro, me descontrolo,
ah, me vejo sem mim, me desolo, de mim escarneço.

Pobre alma essa, perdida. Ai de mim, que padeço esse mal!
Será esse o fim de uma vida? Ou será o começo de tudo?
Esse amor não seria meu contento? Não devia trazer-me alento?
E por que esse visgo n'alma, que dilacera me tirando a calma?
Em que momento fiz valer tal dureza, esse tormento, este torpor absurdo?
Se me encontro, logo me perco, se me aprumo, logo despenco.
Não tenho trilhos sob meu pés, vivo ao relento, vivo ao revés!
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Mas que consolo, me vem de súbito? Que calmaria, que doce euforia?
Quem vem lá? Quem me convém? Não vejo nada, é noite já,
mas tenho n'alma um sopro ávido! Um acalanto, um toque mágico.
Uma alegria de pele alva, um palpitar num lânguido olhar,
é meu amor, meu condor, meu leão faminto, meu absinto!
Vem socorrer-me, devolver-me a calma, vem abrandar-me a alma!
Vem me fazer princesa, sua amante, sua presa.

Agora, o mar que era revolto, é maresia, torna-se outro.
E eu me ponho a navegar, a velejar em águas límpidas,
e a sonhar os meus tesouros, buscando porto em longos braços,
fazendo versos, fazendo rimas, sendo poesia em teus abraços.

34 anos sem Neruda

Hoje, peço lincença aos meus amigos, leitores e visitantes, e cedo meu espaço, minha voz, minha alma, ao amor maior, cantado em verso maravilhosamente por ele.

No dia 23 de setembro de 1973 morria o poeta Pablo Neruda, de câncer. Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1971, o escritor tem em sua obra livros como "Versos do capitão", que chegou ao Brasil em 1992 e conta um amor proibido. A história foi vivenciada pelo próprio Neruda, que mantinha um relacionamento enquanto casado. O nome da musa era Matilde e o autor se separou da mulher para ficar com ela até o fim da vida. Parte da vida de Neruda foi retratada no filme "O Carteiro e o Poeta", em 1994.

Segue abaixo, um vídeo com um dos seus mais belos poemas, e a tradução.

Poema 20

Poema 20

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros, ao longe”.
O vento da noite gira no céu e canta.


Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a quis, e às vezes ela também me quis...
Em noites como esta eu a tive entre os meus braços.
A beijei tantas vezes debaixo o céu infinito.
Ela me quis, às vezes eu também a queria.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como na relva o orvalho.
Que importa que meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo.

Ao longe alguém canta. Ao longe.
Minha alma não se contenta com tê-la perdido.
Como para aproximá-la meu olhar a procura.
Meu coração a procura, e ela não está comigo
A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores.
Nós, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a quero, é verdade, mas quanto a quis.
Minha voz procurava o vento para tocar o seu ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.
Já não a quero, é verdade, mas talvez a quero.
É tão curto o amor, e é tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta eu a tive entre os meus braços,
minha alma não se contenta com tê-la perdido.
Ainda que esta seja a última dor que ela me causa,
e estes, os últimos versos que lhe escrevo.