Somos assim: somos o que pensamos, o que sentimos...e somos acima de tudo, aquilo em que acreditamos!
Nossos ídolos são nossos espelhos...refletem nossa alma, e nos levam ao encontro de nossos desejos, nossos sonhos, nossas fantasias, nosso eu mais profundo...e nos tornam muitas vezes mais fortes, porque acreditamos neles!
Somos assim: sedentos por nos apaixonar, por acreditar, por nos sentir vivos...e é isso que nos torna seres tão incrivelmente sedutores e apaixonantes!

sábado, 29 de dezembro de 2007

Feliz 2008! Feliz vida nova!

sábado, 22 de dezembro de 2007

Crisálida adormecida


Como a larva deselegante
asquerosa e sem beleza
torna-se bela e viçosa
num milagre da natureza

uma crisálida adormecida
torna borboleta e ganha vida

Assim também eu nos teus braços
sou crisálida em sono profundo
teu amor transforma em beleza
as dores que carrego do mundo

teus carinhos me acalantam
teus olhos velam meu sono
teus lábios proferem versos
que me tiram do abandono

acordo banhada em adornos
ganho cor, brilho e asas
me liberto do teu corpo
mas dele fiz minha casa

Bato as asas pra te encantar
faço fita pra te ganhar

Não quero sair dos teus meios
nem quero voar pro infinito
estou presa aos teus enleios
pro teu amor lanço um grito

Sou crisálida em sono profundo
sou borboleta perdida em teu mundo

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Apesar de...é Natal!

Tem um menino na rua
pés no chão, cachimbo na mão
e é natal no mundo (da lua?)

Tem uma menina com sua boneca
trazendo um filho na barriga
e o natal enfeitando a avenida

Tem uma anciã catando latinha
pra fazer a ceia da filharada
é natal, a cidade toda enfeitada

Debaixo da ponte, de papelão e jornal
tapetes persas, colchões King size
e tem festa, ali também é natal!

Natal é tempo de que?
de festa, comilança,alegria!
De violência nas ruas
de agressões e abusos
de bebedeira e luxúria
de excesso de hipocrisia!

Natal não é vinte e cinco
Natal não é mais valia

Nascer é ter nova vida
é renovar esperanças
é ver o futuro estampado
nos olhos de uma criança

Natal é nascimento
e se nasce todo dia!




segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Dueto



O tempo parece ter parado
coração em descompasso
O pensamento ansioso e revolto
estou só...em mim sinto teu corpo

Desejo te encontrar,você não vem
Quero de novo sentir tua presença
seu olhar a me queimar a alma
sua pele macia que acaricio
seu toque suave me tirando a calma

A porta se abre, a brisa te traz
Um arrepio gostoso me invade
sinto teu cheiro, te sinto mais perto
Teu aroma doce e inebriante
em ti me perco, és o meu deserto

Meus olhos se enchem de emoção
nossos corpos em total sintonia
estamos entregues à paixão
absortos em plena maresia
eu sou teu mar, você, minha calmaria.

O tempo parece ter parado de novo
Mas agora estás aqui...
(Composição em parceria com meu querido amigo José Roberto Vaiscenkovas)

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Dia da consciência branca


Da minha terra saí
para da tua cuidar
e dela só consegui
o leito prá me deitar

Corpo dolorido
sangue escorrido
nas chibatas e no tronco
no duro castigo

Sangrei por nada
sangrei por tudo
e com o vermelho do meu sangue
escreveste sua históri
ae ganhaste a sua glória.

Fui o burro de carga
fui a negra da senzala
fui a ama de leite
fui a amante indolente
fui o negro fujão
fui o capacho, o estorvo
fui o liberto abusado
só não fui nunca gente
muito menos respeitado.

A honra e a dignidade
à força foram resgatadas
Por Zumbi, negro bendito
um líder do negro sofrido.

Hoje tenho a certeza
meu sangue não tem nobreza
mas corre nas minhas veias
o mesmo vermelho vivo
que tantas vezes limpei
nas regras e curativos
do branco ingrato e altivo.

De nada vale o orgulho
a arrogância o esnobismo
na hora da dor e da morte
não temos cor nem valia
somos pequenos e pobres
incapazes e sem valentia.
O pó de que fomos feitos
na vala profunda um dia
será a coberta do leito
donde encerra nossa agonia.
Imagem: Café - Cândido Portinari







terça-feira, 13 de novembro de 2007

Sensações

Ouço vozes espalhadas por minhas veias, pressinto diversos odores. Pulsam dentro de mim os mais variados sons. O vento assovia uma canção, dura, seca, um grito talvez desesperado de quem vê o que não é visível.
Na rua sem vida, vidas que se cruzam nas idas e vindas sem destino certo, seguindo um destino traçado por mãos alheias.

"Meu destino" é um equívoco. Não tracei, não escolhi nem posso me desvencilhar, marcado a ferro no ponto mais inacessível aos meus olhos. Dele nada sei, nem se o é de fato.

Ouço rugido de motores, cheiro o diesel queimado e pútrido de animais inanimados guiados por mãos de animais racionais, irracionados pelo que é inanimado mas rege a ordem da vida animal racionalizada.
Confusão? Conflito de idéias, sangue adulterado pela mistura (i)racional do que é ou não natural e saudável à vida que dizem ser minha.


"Minha vida" também é um equívoco. Não a tenho em minhas mãos, não sou dona de algo sobre o qual não possuo pleno controle, como me veio, pode me ser tirada. No máximo me foi gentilmente cedida, e do uso que faço dela depende se segue ou expira.


E EU sigo sem certezas, repleta de marcas, de vincos, de interrogações e falsas prerrogativas que me concedem intencionalmente a fim de que eu me sinta metaforicamente dona do próprio nariz. Este sim é meu. No sentido mais exato e real. Posso mandar arrancar, ou ornar-lhe com pingentes. E metê-lo onde bem entender. Ou simplesmente respeitá-lo como um bem único e intransferível, e deixar que me ajude a descobrir aromas e sensações que me façam sentir viva e dona de mim mesma. Mesmo que eu não o seja.
Já estou humanamente habituada à ilusão.

A crueldade do que é real fere mortalmente o SER humano.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

É tarde amor...

Dizem que o amor não tem idade. Dizem que envelhecer hoje não é grave. Mas envelhecer e amar, conhecer e reconhecer o amor depois de uma certa idade é talvez a melhor tradução do que chamamos felicidade.

Há quarenta e cinco anos atrás, numa pequena vila rural do interior de São Paulo, casavam-se José Felício e Anastácia. Dois jovens de famílias muito humildes, ele com vinte e um anos, ela com vinte.Tinham no casamento meio arranjado e forçado, a esperança de constituir família, sair do campo e tentar a vida na capital.

Com a cara e a coragem, uma pequena bagagem arrumada em trouxas, Nastácia (como era chamada), embuchada pelo Filício (o moço mais regateiro da vila) partiram rumo à grande São Paulo. Na rodoviária da cidade mais próxima, contavam o dinheiro minguado, suficiente para duas passagens, dois pães com manteiga e duas médias.

A ida estava garantida. Chegando lá, a sorte haveria de prover seu sustento.

Não foi fácil, tal qual a história bonita que ambos ouviram durante toda sua vida sobre um menino chamado Jesus, muitas portas lhes bateram à cara, muitos nãos foram ouvidos, por muitas noites dormiram ao relento, aqueceram-se sob jornais e alimentaram-se de migalhas da bondade humana.

Entre catadores de lixo, Filicio aprendeu uma profissão. Entre o lixo acumulado debaixo de uma ponte seu filho veio ao mundo. Filicio, moço regateiro e namorador, chorou pela primeira vez uma dor sentida. Viu nos olhos de Nastácia, a vida que lhe fora roubada e que agora lhe era devolvida, em seus braços, gritando pelo leite que não vinha. Nastácia estava doente, fraca e desnutrida, seu leite não era suficiente para matar a fome do filho. Ela também chorou. Um choro mais dolorido do que o parto que lhe havia rasgado o ventre.

Por muitos meses Nastácia esteve entre a vida e a morte, e seu bebê cresceu feito as flores do campo. Sem jardineiro, sem cuidador, apenas pela força da natureza, seguindo o rumo natural das coisas. Passava de mão em mão, dividia o chão com insetos e animais, tomava leite azedo, ou misturado com água, e vivia, e crescia, e ninguém sabia como.

Aos poucos Filicio foi aprendendo as malícias da cidade grande, as malandragens da rua, Nastácia foi arribando, ajudando também na catação, engravidou mais uma vez, e outra, até encontrar uma alma caridosa que a orientou sobre métodos de "evitá fio".

_ Ô homi, compra lá a tal da camisinha, num quero embuchá de novo não, agora que as coisa tão meiorando. E lá foi o Filício para a farmácia, comprar a tal camisinha.

_ Ara, que raio de camisinha será essa? Camisinha que evita fio? Nunca que vô acreditá nisso!

Mas ele acreditou depois que a agente de saúde ensinou à Nastácia como se usava a tal camisinha. Achou esquisito, resistiu, mas era por uma boa causa, e acabou cedendo.

Aos poucos a vida foi se ajeitando. Ambos eram esforçados, apesar de ainda jovens, vinham de um lugar onde logo cedo se pegava na enxada. Sabiam trabalhar, sabiam lutar pelos seus sonhos. E lutaram.

Não enriqueceram, Filicio arranjava trabalho como servente em obras, construções, Nastácia arranjou vaga na creche para as crianças e foi fazer faxina em casas de madames. Alugaram um quarto e sala num bairro bem afastado do centro, mas bem melhor do que a ponte que os abrigou por tanto tempo.

Criaram seus filhos com dificuldade. Dos três, apenas um sobreviveu à violência e as agruras daquela vida marginal. Os outros não tiveram a mesma sorte. Por duas vezes, Nastácia e Filicio choraram a dor mais doída de suas vidas. Por duas vezes pensaram em desistir.

Mas havia um terceiro motivo que os impulsionava. O filho mais velho tinha sonhos, era diferente, queria ser alguém na vida, e lutava por isso. Não usava os pedaços de jornal para enrolar o baseado, lia os pedaços de jornal. Não roubava as frutas na feira, prestava serviços aos feirantes e ganhava frutas e legumes que trazia para casa. Não matava aulas na escola, sempre era o último a sair, acompanhava a professora o máximo possível, tirando dúvidas, contando causos.

Francisco (era esse seu nome) tinha sonhos. Divagava conversando com os pais, que, vencidos pelo cansaço cochilavam ouvindo o menino contar histórias sobre reinos e princesas, batalhas e príncipes. Francisco continuou sonhando, trabalhou pesado, deu orgulho e satisfação aos pais. Casou-se e teve dois filhos.

Nastácia e Filicio voltaram a sorrir quando os netos vieram. Voltaram a acreditar na vida. Com o passar dos anos Francisco pôde estudar o suficiente para arranjar um emprego melhor. Recebeu uma proposta de trabalho em outra cidade. Não se podia recusar uma sorte dessas.

Nastácia e Filicio, choraram sózinhos. Um choro de tristeza pela separação, mas ao mesmo tempo de satisfação por ver que seu menino estava se tornando alguém na vida. Que seus netos teriam melhor sorte do que eles, e do que os outros filhos que a vida lhes havia arrancado.

A despedida não foi fácil, deixar os netos que viram crescer e que tantas vezes alegraram seus dias partirem foi uma dor muito grande. Mas eles compreendiam que aquele seria talvez o maior bem que poderiam fazer por eles. Abençoaram o filho, a nora e os netos, deixaram que se fossem, ergueram os olhos em prece e pediram à Deus por aqueles à quem tanto amavam. Conservavam ainda a fé apreendida no seio materno, talvez seu único sustento em todas as durezas pelas quais haviam passado.

Agora a pequena casa tornara-se imensa. Em cada cômodo rastros e lembranças dos seus pequenos. A solidão compartilhada fez com que os dois chorassem juntos, abraçados, como nunca fizeram. Deitaram-se mais cedo, não quiseram ver a novela de todos os dias.

Na cama começaram a relembrar momentos de suas vidas, desde o baile em que se conheceram até os momentos mais difíceis.

_ Chega prá cá muié, agora semos só nóis.

Filício olhou ternamente o rosto de Nastácia, acomodando-a em seus braços. As marcas do tempo faziam caminhos em sua face, mas a beleza matuta ainda estava ali, a morenice que lhe prendeu e encantou, ela ainda conservava. Acariciou seus cabelos, maltratados e já bem grisalhos, sentiu, como não sentia a anos, desejo por sua mulher. Com as costas da mão já enrugada e calejada, roçou sobre a blusa os seios de Nastácia, que maltratados e flácidos, mas ainda cheios de vida, responderam imediatamente às carícias, e logo ficaram mais salientes provocando ainda mais o desejo de Filício.

Num arrepio Nastácia também sentiu desejo, mas não compreendeu.
Estranhou o que acontecia, há muito que seu marido não a procurava. Arriscou num sussurro "É tarde am..." e foi calada por um beijo, quente e úmido, talvez o melhor de sua vida.

Beijaram-se ardentemente, entrelaçaram-se, perderam-se em carícias há muito esquecidas, entregaram-se àquele momento, e amaram-se.

Pela primeira vez, em quarenta e cinco anos.


"As pessoas envelhecem e morrem. O amor sobrevive."




quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Surra de peia

A passagem que eu conto agora
Não tem príncipes nem reinos
não é de amor essa história,
mas tem amor nos enleios.

Num sertão dos cafundó
numa terra esquecida
vivia um pai muito só
seu filho era sua família.

Esses pobres, pai e filho,
de tristezas faziam dó
abandonados pelo destino
que da vida apertava o nó.

A seca cruel e medonha
dizima muitas famílias
naquela a dor foi tamanha
levou mãe, e duas filhas.

O pai em desatino de morte
garrô firme na bebedeira
tentando afogar a má sorte
e a tristeza derradeira.

O filho sem muita certeza
daquela ventura ingrata
fazia danura e proezas
e caía na peia e chibata.

E assim a vida passava.
Entre muitas surras de peia
muitos porres, chibatadas,
e a miséria que aperreia.

Mas o destino maltrata
às vezes até exagera
e em outras ele desata
nós que ninguém espera.

Numa das suas mazelas
dá uma lição nesses dois
ensina que quem cria feras
colhe feridas depois.

Num desses embates danados
o menino se vê em falso
o pai na cachaça afogado
ajeita a peia no encalço.

Corre desajeitado,
sem galeio nem firmeza
mas tá destinado ao fato:
Tem castigo essa proeza.

Grita o pai embriagado:
Arre, que dessa vez eu te cato!
vem aqui seu renegado!
É hoje que eu te mato!

No fundo do sítio seco
duas grandes amoreiras
servem sempre de alento
nessas horas derradeiras.

Corre moleque danado
cria asas nesses pés
sobe e espia calado
que hoje acaba esse revés.

O que houve não se sabe
não concebe explicação
não tem dotô e nem padre
que responda essa questão.

A peia do pai malvado
contra ele se voltou
e o filho agora assustado
sua sorte espiou.

Era tamanha a aberração
do pai se batendo sózinho
que o filho de coração
sentiu a dor do paizinho.

Vendo escorrer a sanguera
dos cortes que a peia fazia
desceu logo da amoreira
e viu o pai na agonia.

Arrastou seu pai de mal jeito
o peso era demais prá um mirrado
era bem grande o sujeito
e o filho lhe deu cuidado.
Limpou suas feridas
fez curativo ajeitado
acarinhou o paizinho
sentindo remorso o coitado.

Depois desse episódio
a miséria não estancou
as feridas e o ódio
do peito foi que apagou.

O amor do pai e do filho
naquela dor partilhada
foi como a flor do sertão
que floresce em meio ao nada.

E os dois em meio à miséria
de uma vida muito triste
agora têm a certeza
de que o amor resiste.

Tem poder de curar dor
tem força prá suportar
só quem vive sem amor
é que morre sem lutar.

Não carece de aplaudir
nem fazer exaltação
o que lhes contei aqui
são coisas do coração.

É só uma história triste
com final mais a contento
é só o amor que insiste
em não ver mais sofrimento.
(A imagem que ilustra o texto é Retirantes, de Cândido Portinari.)

terça-feira, 23 de outubro de 2007

O Milagre


Em cruz, lanço-me suavemente ao sabor do vento
sou tal qual as folhas outonais em queda livre,
cerro as janelas d'alma, deixo que o ar puro me invada,
respiro, absorvo, colho com as mãos o suor das nuvens
que me saúda molhando a fronte, em pequenas gotas orvalhadas.

Misturo os sons, embaralho os tons,desenho mil sóis,
gorjeios de pássaros viram girassóis que viram botões
botões de flor, que se abrem em coachos de pequenos batráquios,
pirilampos iluminam o furta-cor das flores, que perfumam as gotas
que molham meus pés sobre a terra fofa.

Da terra me vem o aroma fresco da chuva anunciada pelas gotas serenas,
da casa me vem o sabor através da fumaça cheirosa, dos negros grãos,
que as negras mãos trataram e destilaram em pano alvo e grosso,
tecido, costurado, encaixado no bule espelhado pelas mesmas mãos.
Na copa frondosa do pinheiro, vida que se faz anunciada.
O pequenino ninho guarda cuidadosamente o que será uma dádiva,
a noite cai, a casa se acomoda, e o novo dia aguarda ansioso.

Desperta-se ao som do cantor mor, garboso e viril,
e ao aroma da noite orvalhada que se vai no encalço do vento.
No pinheiro altivo e orgulhoso, ouve-se o novo som do novo dia.
Vida que salta aos olhos, milagre da natureza, amor em forma de beleza.

Como são lindos os filhotes de beija-flor.










terça-feira, 16 de outubro de 2007

O último poema



Ouve amor?
É nossa canção.
Dança comigo agora
cola teu corpo ao meu
e, de olhos fechados
sente-me arder
na infinita alegria
de me saber tua.
Toma meus lábios.
Dá-me t...
Uma lágrima incontida deixa cair-se sobre a folha, manchando as letras e interrompendo a leitura. As mãos ocupadas nada podem fazer. Numa delas o diário, pesado demais para tanta fragilidade, e a outra, segura com carinho a mão de quem foi durante cinquenta anos seu companheiro de versos e de vida, mão cansada e marcada pelo tempo. Fraca, flácida e de uma palidez translúcida, mas quente o suficiente para uma última carícia.

Um sussurro. Continua meu amor, só mais este.
Os olhos marejados voltam-se para o papel, e a voz agora mais fraca continua o poema:
Dá-me tua língua
sedenta de mim.
Mergulha-a na minha boca
sorvendo todo mel.
Deita-me em ti
deixa aninhar-me em teus braços
acalanta-me agora.
Prepara meu corpo que é hora
de possuir-me.
Só tu tens esse direito
só tua sou de bom grado.
Vem com tua paixão ardente,
transforma meu corpo quente
na tua última morada.
Vem meu amado.
Um arrepio, um aperto forte no peito, quase uma súplica, trazem um sentimento de medo, dor, tristeza e saudades.
O som agudo e a linha reta do monitor cardíaco, confirmam que a poesia acabou. Ela fecha o diário, segura firme a mão já sem vida, mas que conserva ainda seu calor, e verte. Não lágrimas, mas versos.



terça-feira, 9 de outubro de 2007

Rascunho


Desenho feito criança que brinca.
Faço contornos, rabiscos,
garatujas, pontos e riscos.
Faço uma linha contínua,
uma curva retilínea,
na minha idéia infantil,tudo é possível,
todo azul é anil,
cem vezes cem é sempre mil.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Menos um

Terminou a parada, cada um pro seu lado, os home no encalço.
Havia uma pedra no seu caminho, no seu caminho havia uma pedra.
Já na delegacia, machucado pelas "pedras" do caminho, tinha que dar o serviço. Seu silêncio custaria muito caro.
Depois de alguns dias, algumas escoriações, fraturas, e traumas, estava de novo nas ruas. Entregue a própria sorte. Sorte seria se tivesse tempo de falar do que não foi falado.
Não teve.
O projétil, sem origem certa, tinha destino certo, certeiro. Veio num zunido, e com um filme, que em segundos o faria voltar ao passado. O seu, a única coisa da qual tinha a posse.
Lembrou-se das peladas no campinho, ao lado do lixão. Da primeira namorada, dos beijos quase sempre roubados, como tantas outras aquisições ao longo de sua pequena história. Lembrou-se do primeiro porre, o primeiro de muitos outros que vieram, seguidos de muitos outros deslizes. Baseados, carreiras, cachimbos, alucinantes, alucinados, alucinóginos.
Lembrou-se da velha mãe surrada pelo velho pai, surrado pelo filho, que era surrado pelo nada da vida. Que de tão cansados, (pai e mãe), ainda sentiam pena daquela pobre vida perdida. Lembrou-se do filho...um projeto ainda. O primeiro de uma vida.
Nenhuma lágrima, nenhum arrependimento.
Apenas um suspiro, o último. Aliviado.
Menos um.

As cores do meu desenho



Pintaram de azul meu infinito,
o espaço onde bato minhas asas,
onde lanço meu grito,
onde me faço, me desfaço, descompasso,
e descanso dos meus fiascos.

Pintaram de rosa minha infância.
Minhas memórias são pink e punk,
infantis e infantes,
fragmentos de instantes, de momentos,
prontamente em posição de sentido!
Ou sem.
Sentido.

Pintaram de marrom o meu chão.
Minha raiz, meu pé, minha diretriz.
Um quase negro, quase escuro, obscuro,
mais vivo do que morto,
mais terra fofa do que cova funda.
Mais chão do que abismo.
Mais eu do que eu mesma.

Pintaram de verde minha esperança.
O verde da minha verdade, que acredita,
o verde da minha saudade, que espera,
o verde que eu quero ver,
antes que de amarelo se pinte,
e deixe de ser.

Pintaram de amarelo o meu sol.
Meus raios, meus fragmentos,
pedaços dos meus ais e lamentos,
amarelo, meu ouro,
amarelo, meu tesouro.
Amarelo de mim, energia cósmica.
Em mim.

Pintaram de vermelho minha paixão.
Pulso que pulsa em mim.
Sangue que ferve, veias que saltam.
Meu carmim.
Fogo, explosão, confusão.
Vermelho tenso, intenso,
vermelho insensato,
vermelho que seduz e induz.
Vermelho de fato.

Pintaram de preto meu pensamento.
Meu tormento e meu desalento,
negros são.
Como negras são as memórias passadas,
da história surrada, das surras levadas,
pela negra verdade,
pelo negro juízo,
do que é negro, sem que negro se pareça.
E, o que de fato negro é,
a pele, a cor, a raça,
maltratos traz de herança, e de graça,
pela negritude cruel da raça.
Humana!

Pintaram de branco minha paz.
Minha fé, meu sossego, minhas vontades,
meus desejos.
Brancas são as manhãs de chuva,
brancos são os dentes entreabertos do contento,
brancos são meus sentimentos.
Puros ou impuros,
livres ou isentos,
mas brancos apenas pela ausência do preto,
pela alva aparência do que em mim se desenha.

E de muitas cores pintaram minha história.
Só esqueceram de colorir minha palidez.
O transparente sem graça do talvez.
O não sei, o quase nada, o mais ou menos,
melhorado, mas nunca acabado.
O inseguro, insensato, inconstante,
o nunca de fato, mas sempre sem razão.
De ser.
Não obstante.


quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Cálice

Segue abaixo uma releitura da música Cálice de Chico Buarque, pela banda Dr. Lao.
Vale à pena!

Cálice - pela banda Dr. Lao

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Fala aí ó pá!

Nossa língua tem artimanhas,
Nossa língua tem artimanhas
tem pernas, feito uma aranha
que arrrranha, se emaranha
enreda, envereda
faz, desfaz e se refaz.
Entre sons e tons diversos
entre sentidos inversos
entre parentes(es)tranhos
entre versos e reversos
tem contextos complexos
tem textos desconexos
tem estranhos sotaques
metáforas, antíteses, sintaxes.

Brincadeira de criança
feito menina ela dança
floreia, canta, arrasta
corre, bole, faz pouco
desdenha, desenha e arrasa
faz fogo virar fumaça
e fumaça virar fogo.
Só quem não se encanta
com essa menina faceira
quem não entra na brincadeira
perde metade da jornada
ou a jornada inteira.

Tem óchentes arrassstadoss
tchês e báhs cantarolados
um uai sô, de minerin
e aí mano, tá ligado fiii??
A poRta, a toRta, entoRta
arraxxxta, o malandro praieiro
faz da língua dessa gente
um grande e delicioso tabuleiro
onde a baiana arretada
mistura sua graça e gingado
à morenice bronzeada
da bela carioca faceira
com uma pitada de garra
da paulista e da mineira.
O guri do Sul se agarra
no leitE quentE vizinho
os capixabas da bera
não podem ficar sozinhos
vêm junto nessa empreitada
com outros tantos sotaques
dessa língua bem falada.
Goianos, matogrossensses
amazonenses, tocantinenses
pérrrnambucanos, cearenses
alagoanos, piauienses
maranhenses, sergipanos
rio grandenses, acreanos
rondonienses, Roraimianos
ou seria roraimenses?
Que mistureba danada!
Faz dar nó em pingo d'água
essa tal língua arretada
que tem nas suas raízes
o "ó Pá" detrásss dosss montessss
uma riqueza de formas
histórias, cantigas, e rimas
beleza em forma de versos
relatos de tantas vidas
nas linhas e traços imersos
em tantas lutas perdidas.



Báh guri, que lindeza de língua é essa?
Uai sô, num é que é bunita mess?
Ôche! É prá lá de porreta essa danada!
Aê mano, se liga nessa parada, fmz?
Eita, que essa língua é abençoada!
Fala aí ó pá! essst'é a língua purtuguesa.







domingo, 30 de setembro de 2007

Espelho, espelho meu.


Há certos dias em que parecemos ser outra pessoa ao acordar.
Bel era uma mulher comum, ao longo dos seus 37 anos já havia passado por muitas situações difíceis, e outras tantas insuportáveis. Agora, vivia um momento de calmaria, porém, uma rotina diária que parecia não mudar nunca. Era sempre o mesmo pálido, o mesmo “sem cor” todos os dias.
Cumpria uma rotina uniforme. Levantava-se as seis, tomava um rápido café, pretinho, básico, sem acompanhamentos, e saía para o trabalho. Era responsável pelo setor de relacionamentos de uma empresa de médio porte e morava sozinha já há algum tempo.
Naquele dia Bel acordou com uma energia diferente, uma vontade imensa de sentir-se bela, um desejo quase incontido de viver intensamente.
Olhou-se no espelho, com o qual não mantinha uma relação muito amigável, e viu-se com outros olhos, desejou ser vista daquela forma pelas outras pessoas, e foi ao guarda-roupa disposta a escolher algo que valorizasse o que havia de belo e atraente em seu corpo. Escolheu uma saia estilo secretária, justa, preta, um pouco abaixo dos joelhos, que deveria ser acentuada pela blusa branca, de seda fina e um transparente sutil e ao mesmo tempo revelador. Por baixo da blusa, um lingerie delicado e sensual, branco, que deixava à mostra o colo, bem definido. Calçou um scarpin preto, discreto, maquiou-se de forma sóbria, porém destacando bem os lábios grossos e carnudos, típicos de sua afro-descendência.
Bel havia a tempos optado pelo uso do metrô e do ônibus, já que morava numa grande capital, São Paulo, e de carro teria que enfrentar todos os dias um trânsito irritante e estressante, para o qual ela não tinha a menor paciência. Apesar da lotação dos ônibus, ela não se importava. Gostava de ter os olhos livres para observar as pessoas, os olhares, a mecânica quase incompreensível de uma grande cidade.
O ônibus como sempre lotado, fazia transpirar cada centímetro de seu corpo, e, quase sem notar, aquela situação lhe fazia imaginar coisas, os quarenta minutos de viagem tornavam-se intermináveis quando sua imaginação alçava vôo.
Sonhava com encontros românticos, uma paixão avassaladora, como as que costumava ler nos romances que adorava, com um amor digno dos grandes poetas, mas com pitadas de sensualidade e erotismo, que lhe causavam arrepios. Era uma mulher intensa e cheia de sonhos.
Sem que se desse conta, numa das paradas do ônibus, alguém que entra lhe chama a atenção de forma especial. Um homem alto, forte, de uma morenice encantadora. Uma beleza incomum, sem os tons da moda, mas com algo que mexia com sua imaginação. Talvez o olhar, que parecia ter um brilho especial, terno, suave, e prendia a atenção de uma forma estranha lhe fazendo sentir arrepios. O aperto do lotação fez com que aquele estranho viesse parar bem perto dela, ficando logo atrás; era possível sentir sua respiração, seu corpo quente, e foi impossível conter a excitação que aquilo lhe causava. Novamente os arrepios.
Numa viagem longa assim, em uma cidade como São Paulo, muita coisa pode acontecer. De repente, uma chuva forte, o céu parece desabar bem típico do clima da cidade. Bel descia num ponto meio distante do trabalho, teria que andar um pouco debaixo daquele temporal, e chegaria toda molhada; uma pena depois de toda aquela produção. Dias assim lhe fazia lamentar por não usar o carro.
Ao se aproximar do ponto, seu companheiro de viagem, aquele estranho encantador,percebe que Bel dera o sinal da parada, e pergunta ao seu ouvido, quase sussurrando: “Você vai descer nessa chuva?” Novamente os arrepios, ela não conseguia responder, estava atônita com o contato inesperado, no máximo consegue responder um sim acenando com a cabeça. Bel vai em direção à porta do ônibus, prepara-se para descer, e percebe que é seguida. Seu novo amigo, desce com ela, e, num gesto quase inacreditável, retira sua jaqueta de couro, e a coloca sobre seu corpo, cobrindo-a delicadamente, e segurando-a quase num abraço.
Olham-se por um instante, e, num rompante, beijam-se em meio à correria de dezenas de pessoas atrasadas e apressadas para começar suas rotinas. Nada pára, o movimento continua a vida continua, mas para aqueles dois estranhos os ponteiros do relógio decidem que é hora de um descanso, o Sol decide demorar um pouco mais a se levantar, e, apenas brinda o dia com lampejos dos seus raios, em meio aquela chuva repentina.
Bel lembra-se de uma das suas cenas preferidas do cinema, uma das mais sensuais que já assistira, imagina-se nela, está em êxtase, coração acelerado, pelos eriçados, um transe incontrolável.
De repente, é puxada pela mão, é levada por seu adorável estranho a um beco, um lugar feio, sujo, medonho, um refúgio excitante aos amantes insanos e inconseqüentes. Vivem ali um momento de total entrega, uma loucura jamais imaginada, mas muitas vezes desejada, por aquela mulher sempre tão sensata e centrada, cumpridora dos seus deveres e compromissos. São levados ao ápice do desejo, explodem junto num gozo incontido e jamais experimentado. Bel não sabe sequer o nome daquele homem, mas entrega-se ao deleite daquele momento como se o conhecesse a anos, e como se aquele fosse o seu momento, a sua paixão tão esperada, o seu amor que chegou finalmente.
Mas são cruelmente interrompidos por um som estridente e ensurdecedor.
Trriiimmmmmmmmmmmmmmmm!!!!!!! Maldito despertador destruidor de sonhos!
Acorda Cinderela, o sonho acabou! Hora de ir para o trabalho.
Enfim, vida que segue!

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Meu jardim - Vander Lee

Uma deliciosa inspiração de última hora.





quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Sobre (naturalmente) humana

Muitas vezes nos encontramos perdidos entre sombras e fantasmas que ficam arquivados na nossa memória. Nem sempre temos o resgate imediato desses registros, mas há momentos e situações que nos trazem á tona esses fragmentos, estilhaços, restos, que foram um dia afundados e, pensava-se, estarem para sempre esquecidos no mar das nossas lembranças.
Fui criança caseira, menina tímida e acanhada, criada nos moldes antigos e reservados da uma família humilde e politicamente correta.
Até os cinco anos, vivi num bairro simples, na cidade de Santo André (ABC paulista), vêm daí os meus primeiros fantasmas.
Numa rua com muitas crianças, uma época em que não se fazia muito calor naquela cidade, nas poucas e raras noites quentes, ou amenas, reuniam-se (as crianças) na calçada para brincar.
Passa anel, telefone sem fio, balança caixão, histórias de horror! Como era gostoso e ao mesmo tempo aterrorizante falar em fantasmas, almas penadas, monstros. Quem nunca teve esse gosto mórbido, que solte o primeiro grito, ou o primeiro uivo!
Não podia faltar entre as crianças daquela época, os mitos, as lendas, as histórias que os pais contavam quase sempre a fim de abrandar as almas inquietas e sapecas dos filhos.
Na nossa rua, no começo (ou no fim), nunca sei onde começa ou termina uma rua, havia um casebre muito velho, aparentemente abandonado, num terreno feio, todo desbarrancado e cheio de mato, onde diziam morar um velho feiticeiro mal e que não gostava de crianças.
Acho que aquele foi o meu primeiro fantasma. O segundo, veio logo após, e em conseqüência dele.



Estávamos numa dessas noites, sentados na calçada brincando, e falando do velho feiticeiro. Eu era uma das menores, devia ter uns quatro anos, mais ou menos, e morria de medo, apesar de nunca demonstrar, leonina valente que era.
Já escurecia, e mamãe nos chamou para entrar. Aterrorizada com as histórias, e doida para entrar logo, olhei para a Lua, buscando conforto em sua luz que ainda mantinha na rua um tico de claridade. Deparei-me então com meu segundo fantasma. Para meu desespero, a bela Lua havia se transformado num monstro horrendo, com chifres, olhos vermelhos e língua de fogo. Claro que tentei contar aos outros, maiores que eu, apontando o monstro e tentando convencê-los de que aquilo não era fruto da minha imaginação, muito menos do meu pavor. Sem sucesso, fui obrigada a entrar em casa, sentindo que aqueles olhos vermelhos iriam me seguir, por onde eu passasse.
Hoje, já sei que o velho feiticeiro era apenas um homem solitário e mal humorado provavelmente por causa das agruras da sua pobre vida, mas a Lua monstruosa, aquela que nunca mais me saiu da memória, tenho certeza, não foi fruto da minha imaginação fértil, muito menos do medo que eu fingia não ter, foi real, eu vi, e foi meu primeiro contato com o mundo sobrenatural, e o último, eu espero.



Situações diversas e muito além da imaginação de uma menina “avoada”como eu, fizeram com que nos mudássemos para o interior, onde moravam meus avós maternos.
Ali tive meu terceiro contato com o mundo sobrenatural, ou o que eu julgava sê-lo.
Família católica e tradicional, em cidade do interior, raramente recorria a médicos, sem antes buscar ajuda entre rezadeiras e benzedeiras. E estas foram, por algum tempo, fantasmas da minha meninice.


Morria de medo daquelas pessoas, que ficavam me olhando, sussurrando um não sei que de coisas, passando folhinhas pelo meu corpo, me fazendo o sinal da cruz na fronte, aspergindo com uma folha molhada a minha cabeça e a minha roupa. Seu Chiquinho, dona Zulmira, Felipe Manhoso, pessoas estranhas e cheias de mistérios.
Hoje, levo meus filhos ao médico, e tenho que fazer um relatório detalhadíssimo, se quiser que o Doutor chegue a um diagnóstico razoável e aceitável. Naquela época, levava na benzedeira, e pronto, “tirava com a mão”, como diziam os mais antigos.


Fé da rezadeira? Ou fé da minha mãe? Ou uma conjunção de crenças e ungüentos, que possuíam um misterioso poder curativo?
Ninguém sabe, ninguém viu, o certo é que essas personagens me assustavam profundamente.


Hoje, compreendo que existem pessoas realmente iluminadas, com tal pureza de espírito e amor fraternal, que são capazes, sem nenhum conhecimento intelectual, de compreender os mistérios e segredos desse universo que rege nossa existência, a tal ponto que chegam a exercer sobre ele, certa soberania, curando, consolando, trazendo paz e alento em momentos de dor e sofrimento. E, sem pedir nem exigir nada em troca, a não ser, que se tenha fé nesse poder curador e restaurador, a quem damos o nome de Deus.
Recentemente estive á procura de uma dessas rezadeiras. O descontentamento com nosso sistema de saúde, e os lampejos de fé, herdados das anciãs da família, me faz por vezes resgatar o passado. Sem sucesso. Elas não existem mais, ou quase não existem, assim como a fé, que parece escoar entre nossos dedos, fugir aos nossos olhos, abandonar nosso coração cansado.



Em reuniões de família, eram comuns os causos e histórias do passado. Muitas dessas, sobrenaturais e cheias de mistério. Como a história da Pisadeira, contada por uma das tias. Meu quarto fantasma.


Uma alma penada, que, se fizéssemos estripulia, viria nos visitar a noite. Chegava arrastando os pés, e balançava violentamente a cama. A única maneira de afastá-la, era rezando um creio em Deus pai (credo), até o final. Se parássemos no meio do caminho ela não iria embora, teria que rezar até o fim. Enquanto a tia contava, ficávamos de olhos atentos, assustados, morrendo de medo.
Chegava à hora de dormir, suspense, terror, medo. Por muito tempo senti minha cama balançar quando ia me deitar, e rezei, pelo sim e pelo não, vários credos. Nem sempre chegava ao fim, vencida pelo sono, mas conseguia espantar a tal alma que me atormentava e me tirava o sossego.



Ainda hoje tenho meus fantasmas pessoais e secretos. Sombras que passam de relance aos meus olhos, pequenos sons que vêm não se sabe de onde, geralmente à noite, quando todos dormem, e ficamos apenas eu e meus pensamentos. Nada que me tire mais o sossego, ou o sono, ou chegue a me atormentar a alma, apenas companheiros silenciosos nos momentos de solidão.



Com a entrada na adolescência, vieram os mitos da escola. E com eles, o mais conhecido e tradicional: a loira do banheiro. Meu quinto fantasma. Uma moça loira que havia sido assassinada em uma escola. Desde então, passou a assombrar os banheiros e os alunos, com suas aparições misteriosas, seu aspecto medonho, cheia de algodão no nariz, e sangrando muito. Algodões espalhados pelos banheiros, molhados em algum líquido vermelho, compunham um cenário medonho e aterrorizante, que confundia os mais medrosos, e criava um clima entre os alunos, que ia do medo à zombaria.
Mesmo já sabendo que se tratava de uma lenda, um mito, não custava nada examinar os banheiros antes de acomodar-se, e, quando possível, a prudência e o pavor, faziam-nos optar pelas turminhas. Assim, unia-mos nossos medos, e enfrentávamos a tal assombração. O que muitas vezes, acabava tornando-se uma boa farra.
Ainda hoje se fala na loira do banheiro. Porém agora, mais em tons de zombaria do que pavor. As assombrações de hoje são um pouco di
ferentes. Mas volto a elas depois.



Com a entrada na puberdade, a maturidade vem acompanhada de alguns fantasmas reais. Passa-se aqui, a entender melhor certos percalços da vida, e a sentir mais as perdas. As mortes de entes queridos passam a fazer parte das nossas lembranças, e a compor um sentimento de medo do desconhecido. Minha sexta experiência sobrenatural vem com essas perdas.
Perder alguém que se ama, e, de quem vai sentir-se a ausência como uma lança, a estocar o peito, nos faz muitas vezes desejar esse contato. Algo que nos traga um consolo, que torne menores a dor e a saudade, que nos dê sinais de um possível reencontro, que nos aquiete a alma e nos faça embalar essa dor, até que ela cesse, ou pelo menos, torne-se suportável.
Minha primeira perda realmente sentida vem com a morte do avô materno. Alguém cuja presença em minha vida, teve um valor sem medidas, mas do qual só me dei conta, após sua partida.
Por muitas vezes, desejei este encontro. Meu desejo suplantava o medo do deconhecido, do sobrenatural; o encontro não aconteceu, pelo menos não no plano material (ou imaterial), mas a alma aquietou-se, as lembranças boas se sobrepuseram ao sentimento doído da perda, e aos poucos, o coração tem aprendido a sentir essas dores, sem ressentir-se da crueldade do destino.



Com o passar do tempo, com a maturidade que chega muitas vezes a fórceps, feito um parto forçado e traumatizante, nossos fantasmas tomam forma e materializam-se. Perdem a inocência e tornam-se nossos inimigos reais.
Diante da violência do mundo moderno, e, vivendo num clima de insegurança e medo reais, conheci meu sétimo fantasma. Talvez o mais real e pavoroso.



Vivi com minha família momentos de extremo terror, sessenta minutos de medo, pelos quais vi passar o filme da minha vida, nos quais resgatei inconscientemente, grande parte da minha fé, (em Deus), e onde também perdi um bom tanto dela (nos homens).
Um assalto à mão armada, felizmente sem conseqüências mais graves, mas que nos trouxe um medo lactente, um clima de insegurança insuportável, e uma tristeza irreparável pela decadência do amor e respeito ao ser humano.
Por muitos dias dormimos amontoados, os cinco membros da família, num único quarto, de portas fechadas, passamos a nos recolher mais cedo, hermetizamos nossa casa com cadeados em todas as janelas e trancas nas portas, passamos a desconfiar das nossas próprias sombras. Senti saudades do velho feiticeiro, da lua tenebrosa, da loira do banheiro.
Felizmente, aos poucos a sensação de medo foi abrandando, mas não sem antes tomarmos como providência emergencial, a contratação de um guardião valente que nos protegesse do perigo, no caso, uma guardiã, uma cadelinha simpática e sem pedigree, amiga e co
mpanheira, que amenizou um pouco do pavor, e trouxe um tanto a mais de sossego à nossa casa.
Ao contrário dos outros fantasmas, este, não vai embora, não vai tomar forma de lembrança do passado, faz parte dos tempos modernos, e vai continuar a nos assombrar pelo resto de nossas vidas, ou, até que um milagre faça tocar o coração do homem, a ponto de fazê-lo perceber quanta riqueza se perde, quando se coloca o ouro (de tolo), acima dos bens naturais e preciosos da alma humana.



Mas os tempos modernos também nos trazem outros tipos de fantasmas, aqueles com os quais se pode vencer a teimosia e empáfia dos filhos, ameaçando e aterrorizando, ou por outra, tirar o sossego de pessoas normais, como donas de casa, totalmente dependentes de certos confortos da vida moderna.



Prive o homem moderno de suas necessidades materiais, e pronto! O terror está instalado. Tire o celular do trabalhador, da dona de casa, do estudante, e pimba, que medo! Tire o computador dos filhos, da dona de casa, do executivo, advogado, professor, e pow! Medo!
Meu cunhado vem para mim e diz: “Mônica, o pc está precisando formatar!” Isso significa alguns dias apenas sem ele, nada grave.
Um piscar de olhos, uma fração de segundo, e será preciso um pé de cabra para me desgrudar do bichinho. Deixa o coitado cheio de vírus, lento feito uma tartaruga, maluco de pedra, mas não o tire de mim, não me prive da sua companhia, isso não.
Como disse Vanessa da Mata: “Eu tenho medo do escuro, tenho medo do inseguro, dos fantasmas da minha voz!”.


Rivaldo Barboza é o autor da ilustração deste texto, chamada Ghost. Veja mais aqui.

domingo, 23 de setembro de 2007

Teu corpo, meu porto



Ah, que azul encantado, nesse horizonte encarnado!
Ah, que profundo dourado a luzir n'alma minha!
Ah, que alegre bordado , no meu sol enredado!
Que visão é essa, que meu coração alcança?
que sensação é essa a que meu corpo se lança?
que poder é esse, que em mim se aninha,
fazendo de mim pobre andorinha,
perdida , medrada e deslumbrada, sem rumo , sem tino, sem nada?

Ah, valei-me meu pai do céu, estou a arfar feito bicho,
cansado, escaldado, esfolado, catando restos no lixo,
estou a sofrer e arder, febril e sem nada entender,
estou a virar os olhos, fremindo, espasmando,
perdida entre restos de gestos, arrepios indigestos.
Desconheço meus contextos, desfaleço meus sentidos,
divago, desfaço o bordado, destilo o amargo,
me perco, me encontro, me descontrolo,
ah, me vejo sem mim, me desolo, de mim escarneço.

Pobre alma essa, perdida. Ai de mim, que padeço esse mal!
Será esse o fim de uma vida? Ou será o começo de tudo?
Esse amor não seria meu contento? Não devia trazer-me alento?
E por que esse visgo n'alma, que dilacera me tirando a calma?
Em que momento fiz valer tal dureza, esse tormento, este torpor absurdo?
Se me encontro, logo me perco, se me aprumo, logo despenco.
Não tenho trilhos sob meu pés, vivo ao relento, vivo ao revés!
......................................................................................................................................................................

Mas que consolo, me vem de súbito? Que calmaria, que doce euforia?
Quem vem lá? Quem me convém? Não vejo nada, é noite já,
mas tenho n'alma um sopro ávido! Um acalanto, um toque mágico.
Uma alegria de pele alva, um palpitar num lânguido olhar,
é meu amor, meu condor, meu leão faminto, meu absinto!
Vem socorrer-me, devolver-me a calma, vem abrandar-me a alma!
Vem me fazer princesa, sua amante, sua presa.

Agora, o mar que era revolto, é maresia, torna-se outro.
E eu me ponho a navegar, a velejar em águas límpidas,
e a sonhar os meus tesouros, buscando porto em longos braços,
fazendo versos, fazendo rimas, sendo poesia em teus abraços.

34 anos sem Neruda

Hoje, peço lincença aos meus amigos, leitores e visitantes, e cedo meu espaço, minha voz, minha alma, ao amor maior, cantado em verso maravilhosamente por ele.

No dia 23 de setembro de 1973 morria o poeta Pablo Neruda, de câncer. Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1971, o escritor tem em sua obra livros como "Versos do capitão", que chegou ao Brasil em 1992 e conta um amor proibido. A história foi vivenciada pelo próprio Neruda, que mantinha um relacionamento enquanto casado. O nome da musa era Matilde e o autor se separou da mulher para ficar com ela até o fim da vida. Parte da vida de Neruda foi retratada no filme "O Carteiro e o Poeta", em 1994.

Segue abaixo, um vídeo com um dos seus mais belos poemas, e a tradução.

Poema 20

Poema 20

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros, ao longe”.
O vento da noite gira no céu e canta.


Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a quis, e às vezes ela também me quis...
Em noites como esta eu a tive entre os meus braços.
A beijei tantas vezes debaixo o céu infinito.
Ela me quis, às vezes eu também a queria.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como na relva o orvalho.
Que importa que meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo.

Ao longe alguém canta. Ao longe.
Minha alma não se contenta com tê-la perdido.
Como para aproximá-la meu olhar a procura.
Meu coração a procura, e ela não está comigo
A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores.
Nós, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a quero, é verdade, mas quanto a quis.
Minha voz procurava o vento para tocar o seu ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.
Já não a quero, é verdade, mas talvez a quero.
É tão curto o amor, e é tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta eu a tive entre os meus braços,
minha alma não se contenta com tê-la perdido.
Ainda que esta seja a última dor que ela me causa,
e estes, os últimos versos que lhe escrevo.

sábado, 22 de setembro de 2007

Voo rasante

Meus olhos observam atentos
as folhas caindo ao vento,
outono dos meus pensamentos.
Eles me vêm feito as folhas
que caem, que dançam, que planam,
soltas e leves, ao sabor do tempo.

Agora eles se fecham,
inspiração, respiração, absorção,
absorvo os sinais dos tempos,
inspiro os ais, os lamentos,
respiro os aromas, respiro idiomas,
a(condicionamento).

Crio asas, voo rasante,
espio do alto tons e sobretons,
acelero, recuo, pondero.
Num horizonte infinito me lanço
grito, repito, me canso,
e não descanso,
sigo sem rumo, ouço sons,
pre(sentimento).

Vou em busca, de nada ou de tudo,
me faço ouvir, ou mudo.
Faço parte de um todo, faço pouco,
sou a parte que me cabe,
ou a metade esquecida,
sou mero sopro de vida,
chegada ou partida,andança,
insanidade, lucidez, meio termo,
des(esperança).



sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Labirinto


Tenho vc aninhado
qual pássaro acanhado
instinto
entre os meus seios perdido
feito menino faminto
pecado
viajo num transe crescente
feito uma estrela cadente
caindo
meu corpo teu corpo sente
minha alma da tua depende
me sinto
sou corpo celeste vibrante
sou átomo viandante
labirinto
me perco
me encontro
pressinto
te sinto
meu
adormeço.