Ah, que azul encantado, nesse horizonte encarnado!
Ah, que profundo dourado a luzir n'alma minha!
Ah, que alegre bordado , no meu sol enredado!
Que visão é essa, que meu coração alcança?
que sensação é essa a que meu corpo se lança?
que poder é esse, que em mim se aninha,
fazendo de mim pobre andorinha,
perdida , medrada e deslumbrada, sem rumo , sem tino, sem nada?
Ah, valei-me meu pai do céu, estou a arfar feito bicho,
cansado, escaldado, esfolado, catando restos no lixo,
estou a sofrer e arder, febril e sem nada entender,
estou a virar os olhos, fremindo, espasmando,
perdida entre restos de gestos, arrepios indigestos.
Desconheço meus contextos, desfaleço meus sentidos,
divago, desfaço o bordado, destilo o amargo,
me perco, me encontro, me descontrolo,
ah, me vejo sem mim, me desolo, de mim escarneço.
Pobre alma essa, perdida. Ai de mim, que padeço esse mal!
Será esse o fim de uma vida? Ou será o começo de tudo?
Esse amor não seria meu contento? Não devia trazer-me alento?
E por que esse visgo n'alma, que dilacera me tirando a calma?
Em que momento fiz valer tal dureza, esse tormento, este torpor absurdo?
Se me encontro, logo me perco, se me aprumo, logo despenco.
Não tenho trilhos sob meu pés, vivo ao relento, vivo ao revés!
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Mas que consolo, me vem de súbito? Que calmaria, que doce euforia?
Quem vem lá? Quem me convém? Não vejo nada, é noite já,
mas tenho n'alma um sopro ávido! Um acalanto, um toque mágico.
Uma alegria de pele alva, um palpitar num lânguido olhar,
é meu amor, meu condor, meu leão faminto, meu absinto!
Vem socorrer-me, devolver-me a calma, vem abrandar-me a alma!
Vem me fazer princesa, sua amante, sua presa.
Agora, o mar que era revolto, é maresia, torna-se outro.
E eu me ponho a navegar, a velejar em águas límpidas,
e a sonhar os meus tesouros, buscando porto em longos braços,
fazendo versos, fazendo rimas, sendo poesia em teus abraços.